Venho pensando, o que faz um diretor de cinema ser muito bom ou mesmo excepcional? Fazer cinema é um coletivo de competências que juntas formam o resultado, mas o diretor é o responsável por dar vida ao projeto e distribuir os componentes que constroem um filme. Existem alguns diretores que reconhecemos imediatamente ao ver um filme, está ali inserida sua personalidade, sua visão criativa. As marcas distintas que fazem do trabalho único e identificável. A direção não depende apenas do script de uma história, já que esta história é traduzida para o audiovisual – apesar que tenho minhas dúvidas que seja possível fazer um filme maravilhoso de um roteiro medíocre. Porém, assim como aprecio os músicos que compõe suas letras, tenho um certo apreço por diretores que também são escritores e roteiristas de seus filmes.
Escritores-diretores são diferentes. Neste caso, o filme é um resultado direto da habilidade como contador de histórias, considerando como uma expressão do que foi pensado a princípio. A assinatura destes diretores vão além do visual, as histórias também completam a marca.
Foi assim que virei fã de Bobcat Goldthwait. Poucos cineastas me excitaram tanto com poucos filmes no currículo. Ao todo, são 4 longas escritos e dirigidos por ele. Bobcat também é roteirista de algumas séries, dirigiu alguns filmes para TV e começou com standup nos anos 80, o que rendeu algumas aparições na série de filmes Loucademia de Polícia.
O primeiro filme que assisti do Bobcat foi o mais recente, God Bless America, de 2012. Quando assisti o trailer, antes mesmo de acabar, tive certeza que ia amar.
Devo ressaltar minha paixão por comédias de humor negro e informá-los que um dos filmes da minha vida é Natural Born Killers. Na primeira vez que assisti – foram umas 3 vezes – fiquei extasiada. Me fez dormir melhor naquela noite.
God Bless America satiriza a cultura pop recheada de fofocas de celebridade, reality show e este universo que estamos vivendo há alguns anos. Idiocracy também fez algo parecido, mas este é diferente. Desde o início do filme, o senso de direção é para o espectador. Não soa como uma história sendo contada, parece mais querer conversar com você. As reflexões e monólogos de Frank (Joey Murray) sobre a condição humana e o que há de errado com a sociedade são constantes e apesar de um certo exagero, tem conexão com a vida real.
A fantasia do filme me encanta. A parte ‘Bonnie e Clyde’ (ou Mickey and Mallory ou Martha Beck e Ray Fernandez ou escolha aqui o seu casal massmurder favorito) do filme – sem o contexto romântico – é belíssima e deixa tudo ainda mais interessante. Para alguns, violência gratuita e um ataque absurdo. Para mim, humor negro brilhante, nada além de poesia como forma de crítica. Tem suas falhas, é claro. Mas o mundo é bem mais falho que isso, God Bless America é um filme ousado, merece ser visto e passado pra frente.
O segundo filme e o meu preferido até agora, é World’s Greatest Dad, 2009.
Não recomendo assistir ao trailer deste, porque não faz jus ao filme. O editor foi feliz em excluir a grande sacada do trailer, mantendo assim o fator surpresa, que considero fundamental.
É um dos melhores filmes que vi em um bom tempo. Comédia de humor negro – é essa a especialidade de Bobcat – perspicaz, original, com momentos desconfortáveis e hilários.
Robin Williams, amigo de longa data de Bobcat, inicialmente faria uma participação, como um favor para um amigo, mas ficou tão impressionado com o script que pediu para protagonizar. Ele interpreta o papel de um pai que está tentando fazer o seu melhor, entre todos os obstáculos que a vida colocou, entre eles, o seu filho adolescente e pervertido. Embora eu não possa dizer muito sem estragar completamente o filme, digo que uma das melhores partes da experiência de ver ‘World’s Greatest Dad’ é ver o roteiro do filme desabrochar. Quando entendi aonde o filme ia parar, virei fã absoluta de Bobcat Goldthwait, no ato. É o momento que você entende o porquê o filme se chama World’s Greatest Dad. Aliás, além de ótimo escritor e diretor, Bobcat parece ter um talento nato para nomear seus filmes, sempre com uma sacada bem articulada.
Não é um filme para todos, é de fato humor negro – negro negro. Até porque a parte do humor é seca e mental. Mas pessoalmente, é um dos filmes mais brilhantes que vi em muito tempo e difícil de digerir. Traz reflexão pra tantos temas diferentes, pode se encaixar em tantas coisas. É um filme profundo sobre a superficialidade, obra única.
Minha paixão por World’s Greatest Dad me levou a assistir, em seguida, o próximo filme da lista, Sleeping Dogs Lie, de 2006.
Como não poderia ser diferente, também carrega um tema polêmico e incomum. A cena de abertura pode ser até desagradável e chocante. Neste caso, o conceito inicial do filme não afeta o desenrolar da história (quando eu assisti, já havia lido sobre o tema na sinopse), então adianto: a história é sobre Amy, uma moça apaixonada que, quando jovem, experimentou algo bem estranho. Uma bestialidade, digamos assim. Amy chupou seu cachorro. Isso mesmo, a protagonista fofa desta comédia indiê admite que fez sexo oral no seu cãozinho. Antes de pensarem que o filme é a lá Pink Flamingos, já digo, não é.
Sleeping Dogs Lie não é exatamente sobre esta indiscrição sexual de Amy. É sobre a natureza da verdade. A ironia toda está no medo de expor seus mais profundos e obscuros segredos para alguém, mesmo aqueles que mais ama no mundo. Ainda com o choque inicial, é o filme mais fácil de assistir e uma gracinha. Bobcat mais uma vez tornou o sombrio cômico.
Lembra que falei que ele consegue dar nomes geniais aos filmes? ‘Sleeping Dogs Lie’ é uma expressão que significa não perturbar o que está indo bem. Se o cachorro está dormindo, deixa ele lá. Não vá brincar com ele, senão ele pode acordar puto e te morder. No filme, é claro que o cachorro metafórico da expressão não é de fato o cachorro. Mais uma vez, grande sacada.
O último da lista e primeiro filme da carreira de Bobcat é Shakes the Clown, 1991. Além de escrever e dirigir, ele faz o Shakes, o palhaço do título.
Devo dizer, foi muito difícil assistir este filme. Quando vi Shakes e sua gangue, entrei em pânico. Até então, eu não tinha consciência de que o medo de palhaços que tenho é tão grande, parecia uma gravação de uma cena do Filmefobia. Precisei de três tentativas para conseguir chegar ao final, mas essa dificuldade pessoal não tem conexão alguma com o filme em si.
Shakes é um palhaço alcoólatra cuja carreira está deslizando cada vez mais devido ao seu vício. O filme narra seu relacionamento com a namorada e sua rotina com os amigos e inimigos, um bando de palhaços cínicos muito bem representados.
É uma comédia irônica sobre um alcóolatra obnóxio empregado em um personagem que deveria trazer alegria para crianças. É diferente e honesto, porque consegue ser engraçado e confrontar o alcoolismo ao mesmo tempo, como um surrealismo sobreposto de realismo.
Vi em algum lugar que é “O Cidadão Kane dos filmes de palhaços alcóolatras” e concordo. Se você não tem medo de palhaços e deu risada assistindo Mondo Trasho, por exemplo, vai sair bem satisfeito.
Independente dos palhaços, Bobcat provou mais uma (neste caso, pela primeira) vez que sua escrita cômica é inigualável.
O próximo projeto de Bobcat é um horror estilo found footage, chamado Willow Creek. A fita fala sobre a lenda do Pé Grande, o que me deixa extremamente intrigada. Estou genuinamente curiosa para o resultado, mal posso esperar.